sexta-feira, 25 de novembro de 2011

O abre-alas: clima abre as portas para o petróleo

Já comentamos aqui no Cabeça que a grana doada pela Noruega para o Fundo Amazônia através da política de Clima&Florestas nada mais é do que o abre-alas para que outros interesses noruegueses se consolidem no Brasil, especialmente no setor petrolífero. Embora a frase tenha sido dita pelo então ministro de petróleo norueguês em exuberante visita ao Rio em setembro de 2010, isso me cheirava um pouco demais a teorias da conspiração.
Agora estou lendo um livro bacana sobre economia política do petróleo na Noruega ("Até a Última Gota", de Helge Ryggvik), que me deu um novo toque sobre o assunto. Ryggvik diz que há muito tempo é prática comum entre as grandes companhias de petróleo alocarem investimentos pouco lucrativos ou que nada tem a ver com suas atividades, apenas como uma forma de garantir uma melhor posição entre os players em futuras concessões petrolíferas. Cita o exemplo dos postos de gasolina da British Petroleum no Azerbaijão, após o colapso da União Soviética, quando sua indústria de petróleo parou. Apesar de não haver gasolina disponível no mercado, os postos da BP estavam lá, novinhos. A razão disso, diz Ryggvik, é marcar presença, manter uma posição privilegiada para quando futuras concessões vierem - e certamente virão - estarem melhores posicionados. Outra forma de marcar presença é através de investimentos em outros campos, como no caso da petroleira japonesa Idemitsu Petroleum, que em 1991 doou 61 milhões de coroas para a expansão do Museu Munch, em Oslo. Em 2006, uma pequena parcela do campo de Tampen garantiu à Idemitsu uma produção de 28 mil barris/dia, ou cerca de 5 milhões de coroas por dia.
Na cola: o CEO da Statoil Helge Lund (atrás à direita) não saiu da cola do primeiro ministro Stoltenberg quando este visitou o Brasil em setembro/2008 para a assinatura do acordo sobre clima&florestas. A visita incluiu também uma conversa sobre sistemas regulatórios para exploração de petróleo. 
Fonte: Erik Means/UpstreamOnline.com

O mesmo estaria acontecendo no Brasil, segundo as palavras do próprio Ryggvik:
"Presumo que o contato da Idemitsu Petroleum com o Museu Munch tenha acontecido entre pessoas que tinham amor e predileção pessoal pela arte de Munch. Ao mesmo tempo, trata-se de de uma concessão que dificilmente teria existido sem uma motivação cínica subjacente por parte daqueles que controlam o dinheiro. Se olhamos com outros olhos que não os noruegueses, a promessa do governo norueguês de doar 5,7 bilhões para as florestas tropicais brasileiras poderia ser interpretada de forma semelhante. O ministro de meio ambiente e desenvolvimento Erik Solheim tem sem dúvida um desejo sincero de contribuir para uma boa causa. Mas teria Solheim conseguido botar a mão em tanto dinheiro se o Brasil ao mesmo tempo não fosse considerado como extremamente interessante pelos interesses do petróleo norueguês? Considerando que as reservas descobertas na plataforma continental brasileira são de fato tão grandes quanto anunciadas em 2008, não seria necessário mais do que uma pequena parcela da StatoilHydro para que a empresa viesse a lucrar uma quantia semelhante. Não é à toa que Jens Stoltenberg e Erik Solheim estavam acompanhados de uma delegação da Statoil na ocasião em que o acordo foi assinado."

Fontes:
Til Siste Dråpe, Helge Ryggvik, Aschehoug, 2010, pp. 115-120

quinta-feira, 24 de novembro de 2011

Ministério das Finanças desliza e contradiz compromisso climático; contradição favorece o Brasil

Semana retrasada o jornal VG vazou um documento do ministério das finanças norueguês defendendo a redução de emissões de carbono fora da Noruega. O  documento contradiz o compromisso climático (Klimaforliket) assumido pelos partidos políticos em 2008, de reduzir 2/3 das emissões em casa e apenas 1/3 através de cotas adquiridas junto a outros países.
Segundo o VG, as razões expressas no documento vazado seriam (i) não há hoje um acordo internacional climático vinculante em vigor, (ii) os custos de reduções domésticas cresceram desde a aprovação do Klimaforliket, e (iii) o desenvolvimento de novas tecnologias climáticas tem sido mais lento do que o esperado. Alguns dias depois o ministro veio a público desmentir sua posição e reafirmar que o governo cumprirá o prometido (2/3 de emissões domésticas) no Klimaforliket quando apresentar sua proposta de nova lei climática. O porta-voz de finanças do partido de extrema direita FrP diz que o ministro dormiu no ponto e deixou vazar um documento que confirma que, no fundo, esse Klimaforliket é furado.
O deslize é mais um capítulo da novela climática entre ambientalistas e o governo. Os ambientalistas reclamam que o governo vem empurrando com a barriga a aprovação da nova lei climática (que deve concretizar o marco legal do klimaforliket), as emissões norueguesas vêm aumentando, e a agenda do setor petrolífero continua alheia à questão climática. Argumentam que a Noruega deve manter o prometido e mostrar serviço em casa para poder cobrar depois, e não apenas pagar para se livrar do problema em outros lugares.
Para os países beneficiários da politica de Clima&Florestas como o Brasil, reduzir fora de casa significaria continuar e fortalecer justamente as iniciativas como o Fundo Amazônia.

Ministro das Finanças Sigbjørn Johnsen dormiu no ponto e deixou vazar documento que contesta compromisso climático do governo norueguês de reduzir 2/3 das emissões em casa

Mas há uma questão de escala e custo-benefício que parece enfraquecer o discurso ambientalista. As emissões norueguesas ainda são relativamente baixas se comparadas a emissões de outras fontes que podem ser reduzidas de forma mais barata, como por exemplo redução de desmatamento de florestas tropicais. A estratégia climática é baseada em cortar o máximo da forma mais barata possível. A central sindical norueguesa LO já manifestou ceticismo em relação à possibilidade de reduções domésticas, alegando que reduzir em casa significaria custos altos demais, e que isso ameaçaria a indústria e os empregos.
Num governo dominado pelo partido trabalhista, é este o tom que predomina, embora esteja desafinado com o próprio compromisso climático assumido.


Fontes:
http://www.vg.no/nyheter/utenriks/klimatrusselen/artikkel.php?artid=10031461
Dagsavisen 21/11 e 22/11