segunda-feira, 9 de novembro de 2009

Panorama pós-eleições: coalizão socialista aprova programa de governo e orçamento para 2010


O placar nunca foi tão apertado, mas em setembro a coalizão socialista conseguiu ganhar dos conservadores e garantir mais 4 anos de mandato com uma maioria espremida de 50,3% dos votos no Parlamento (Stortinget). Do outro lado do espectro político, os conservadores amargam a derrota, mas com um gostinho de vitória pelo aumento de popularidade dos dois maiores partidos de direita, Høyre (Conservadores) e Fremskrittpartiet (Progressistas). No balanço geral, os conservadores cresceram; e a coalizão socialista tende a ficar um pouco mais conservadora também. Dos três partidos da coalizão, Ap é o maior, de longe, e foi o grande vencedor da eleição como um todo; os outros dois – SV, partido socialista de esquerda e Sp, partido dos agricultores - perderam votos em relação a eleição passada, portanto estão ainda menores do que o irmão maior, Ap.
A correlação de forças dentro da coalizão socialista tende a piorar para os ambientalistas em geral. E isso vem ficando claro à medida que o governo começa a trabalhar. O primeiro episódio foi a disputa pela escolha da equipe ministerial. Kristine Halvorsen, do SV, antes ministra da fazenda, não conseguiu manter o cargo: virou ministra da educação. A Fazenda foi para o Ap (Sigbjørn Johnsen, ex-ministro da fazenda no governo Brundtland III 90-96).
O segundo momento em que foi testada a nova correlação de forças políticas dentro da coalizão foi a elaboração da nova plataforma de governo, expressa num documento chamado Soria Moria II (a primeira versão corresponde ao programa de governo do primeiro mandato).
Uma das principais conquistas dos ambientalistas, puxada pelo SV, foi a não exploração de petróleo nas regiões de Lofoten e Vesterålen, a maior questão ambiental no país durante a campanha eleitoral. Claro, o fato de o novo governo não dizer que vai explorar não significa que isso não possa vir a ocorrer no futuro. Ainda mais considerando que o novo orçamento inclui grande volume de recursos para pesquisa dirigida a exploração petrolífera na região. Portanto, por enquanto, só vale pesquisar, mas não explorar.
Na política climática, o governo assume a meta de 10% sobre Kyoto, podendo chegar a 40% se isso contribuir para um acordo climático global que inclua os países chave. O governo também se compromete a trabalhar para que as florestas façam parte do novo acordo. O entendimento do ministério de meio ambiente é de que a Noruega, na conta climática global, não é um país relevante em termos de emissões, razão por que deveria focar mais em investir em reduções significativas, no menor tempo possível – e nesse caso o melhor custo-benefício e investir na proteção das florestas. O que não está dito lá é o que representa a maior derrota dos ambientalistas dentro da nova coalizão: um dos principais argumentos do SV durante a campanha eleitoral é a necessidade de a Noruega reduzir emissões domésticas, expondo a contradição do seu papel como liderança ambiental mundial e sua dependência da indústria de petróleo. Outra questão divergente dentro do governo, entre SV e Ap, diz respeito à possibilidade de computar as reduções resultantes dos investimentos fora na conta da Noruega: SV é contra, mas Ap é mais cauteloso. A plataforma Soria Moria II só resvala no assunto dos cortes domésticos, e dá abertura para que o que for reduzido fora seja também contabilizado dentro – afinal, difícil imaginar que a Noruega consiga reduzir até 40% em relação a 1990 apenas domesticamente, sem computar a conta das florestas. Segue uma tradução tosca do trecho sobre clima do documento:

Para evitar que a temperatura na terra aumente mais de 2 graus em relação ao período pré-industrial, as emissões globais devem diminuir entre 50 e 85% até 2050. Até 2020 devem os países industrializados reduzir suas emissões entre 25 e 40%, enquanto o aumento das emissões em países em desenvolvimento devem ser limitadas. As emissões globais precisam ser reduzidas no máximo a partir de 2015. O governo tem como objetivo de longo prazo que a cada ser humano na terra seja garantido o mesmo direito de emitir gases efeito estufa.
Para resolver os desafios climáticos é preciso cooperação internacional. A Noruega trabalhará por um acordo climático internacional mais compreensivo e ambicioso, que sucederá o protocolo de Kyoto. O governo entende portanto que o acordo deve assegurar que as emissões globais sejam fortemente reduzidas de forma a que o aumento da temperatura na terra não exceda 2 graus C.
O governo trabalhará por um acordo climático que comprometa os países ricos a pagar por suas próprias reduções de emissões bem como contribuir para o financiamento da redução de emissões em países pobres. Isso enfatiza a importância de que um acordo climático futuro seja baseado em mecanismos flexíveis que permitam que países ricos possam financiar redução de emissões em países pobres. É decisivo que consigamos viabilizar reduções altas rapidamente, ao mesmo tempo em que precisamos desenvolver novas tecnologias que possam garantir reduções de emissões em longo prazo. O trabalho da Noruega contra o desmatamento em países em desenvolvimento pode contribuir para reduções elevadas e em curto prazo. Concomitantemente, o governo continuará e fortalecerá o trabalho com tecnologias de captura e depósito de carbono, de forma a que possam se tornar comercialmente viáveis, e futuramente sejam utilizadas em termoelétricas a carvão e gás, bem como em pontos de alta emissão ao redor do mundo.
O governo irá:
  • Comprometer-se a 10% acima do protocolo de Kyoto
  • Aumentar a meta de redução da Noruega de forma a corresponder a um corte nas emissões de 40% até 2020 em relação aos níveis de 1990, caso isso possa contribuir para um consenso sobre um acordo climático ambicioso, em que os grandes países emissores assumam compromissos de redução concretos
  • Que a Noruega, como parte de um acordo climático global e ambicioso em que outros países industrializados também assumem compromissos relevantes, assume um compromisso de redução correspondente a uma redução de 100% até 2030, de forma a nos tornarmos carbono-neutros.
  • Continuar a iniciativa sobre clima e florestas, e dar escala aos esforços até cerca de 3 bilhões de coroas anualmente
  • Apresentar ao parlamento uma avaliação da política climática e das necessidades de alterar políticas públicas, incluindo os planos de ação climática setoriais. Um novo acordo climático internacional torna necessária uma revisão da meta nacional, das políticas públicas e uma nova avaliação de como o conjunto de esforços da Noruega devem ser organizados de maneira a contribuir o melhor possível para a redução das emissões globais de gases efeito estufa
  • Transformar a Agência de Controle de Poluição do Estado no Departamento de Clima e Poluição [hierarquia mais alta na burocracia, abaixo apenas do ministério]
  • Utilizar a legislação sobre planejamento e construção ativamente com vistas a reduzir as emissões dos setores de transporte e construção civil
  • Que a legislação sobre poluição continua a ser uma importante política para a gestão ambiental e climática
  • Combinando o monitoramento de uma estratégia com as proposta ordinárias de orçamento, publicar um relatório/orçamento climático que avalie as consequências das emissões e que relate o desenvolvimento e perfil das emissões, bem como a implementação da política climática
  • Realizar um plano de ação concreto para todos os setores sobre como a sociedade norueguesa deve se preparar para viver com os desafios climáticos, de acordo com as recomendações do Comitê de Adaptação (Tilpasningsutvalget)”
 
Soria Moria II também fala dos direitos do povo Sami. No capítulo sobre economia, o governo diz que “garantirá a viabilidade da criação de renas em equilíbrio com as pastagens, e que isso contribuirá para manter a cultura Sami. O governo avaliará a administração do pastoreio de renas”. Essa auditoria sobre as renas entrou no documento porque há muita reclamação de não-Samis que vivem nas províncias do Norte, de que os Sami não declaram quantas renas possuem, para pagar menos imposto e manter um mercado negro ativo. Há também denúncias de sobre-exploração das pastagens naturais, que podem estar em perigo de extinção ou redução, o que comprometeria a atividade por completo no médio/longo prazo. Não há menção a questões relacionadas à nova legislação de mineração, principal polêmica entre os Sami e o atual governo, mas há a manifestacao de se proseguir o trabalho no comitê Sami de direitos. Segue a tradução do item específico sobre povos indígenas e minorias:

Povos indígenas e minorias nacionais
Os Sami são um povo indígena com demandas internacionalmente reconhecidas de preservação cultural e desenvolvimento. O governo pretende vitalizar a língua, cultura, economia e sociedade Sami, e apoiará as possibilidades de os Sami viverem como um povo para além das fronteiras do país.
O governo pretende contribuir para uma boa estrutura tanto para atividades econômicas tradicionais como postos de trabalho modernos ligados a cultura e tecnologia em áreas habitadas pelos Sami. O governo fortalecerá a língua Sami na Noruega, especialmente através do fortalecimento da responsabilidade do Parlamento Sami e dos municípios.
O governo manterá um sistema de ensino que salvaguarde as necessidades especiais dos Sami. O Parlamento Sami deve ter influência sobre as matérias que sejam importantes para os Sami.

O governo vai:
  • Continuar o plano de ação para língua Sami e o relatório para o Parlamento sobre política Sami
  • Avaliar a possibilidade de que alunos nas regiões Sami possam escolher a língua Sami como segunda língua, e trabalhar para que isso gere mais professores escolares, pré-escolares bem como agentes sociais e de saúde
  • garantir os jornais de âmbito nacional Sami e fortalecer a vida cultural, de forma a aumentar as dotações para o Parlamento Sami
  • apoiar a pesquisa Sami e pesquisa relacionada aos Sami
  • prosseguir no trabalho com o Comitê Sami de Direitos, ao sul de Finnmark, e com o Comitê de Pesca Costeira
  • apoiar iniciativas com foco na língua, cultura e história das minorias nacionais”

Outros pontos interessantes da plataforma Soria Moria II dizem respeito a manutenção dos altos subsídios para agricultura nacional (por exemplo, imposto de importacao sobre laticínios chega a 142%, sobre trigo 210%, sobre carne 240%), demanda principal do Sp, partido dos agricultores, e a adoção de políticas para implementação de sistemas de rastreamento de armas na Noruega. Esse último ponto é uma resposta a crescentes críticas da sociedade sobre a indústria bélica norueguesa, e abriu um espaço de cooperação com a sociedade civil no Brasil, especialmente a ONG VivaRio, parceira da AIN, que trabalha com o tema de desarmamento no Rio de Janeiro e tem contribuído ativamente na discussão do rastreamento de armas.
A terceira etapa recém concluída do jogo político pós-eleitoral foi a aprovação do orçamento para 2010. A manchete (socioambiental) é que o orçamento para a cooperação internacional supera 1% do PIB nacional, feito inédito. Até aí palmas, todo mundo de acordo. As críticas das organizações ambientalistas e de cooperação norueguesas variaram na medida da brasa que sobrou para suas respectivas sardinhas.
A política de cooperação internacional do novo governo está lastreada em uma mensagem ao Parlamento do governo anterior, de 2008, chamada “Clima, Conflito e Capital: a política norueguesa de desenvolvimento em um ambiente de negociação em mudança”. Esse documento orientou a elaboração da política de cooperação que hoje consta da plataforma Soria Moria II, e estabelece a crise financeira e climática como dois dos maiores desafios atuais, sob perspectivas distintas de horizonte de tempo e ênfase. “As mudanças climáticas e a crise econômica ameaçam o que até agora conseguimos alcançar na luta contra a pobreza. Precisamos utilizar a cooperação de forma mais estratégica para conseguir mais na politica de desenvolvimento”, foi o resumo da mensagem feito pelo ministro de meio ambiente Erik Solheim.
A mensagem ao Parlamento resume a questão climática sob diferentes focos: ecossistemas sob pressão, responsabilidade comum mas diferenciada na política climática, energia limpa, florestas, adaptação e contabilidade climática. No item florestas o Brasil é indicado como importante contraparte para cooperação. O raciocínio é que proteger florestas é a forma mais eficiente e barata de reduzir emissões, por isso deve ser priorizada o mais rapidamente possível.
Voltando ao orçamento para a cooperação, a crítica das organizações de cooperação como AIN e Flyktninghjelpen (Ajuda aos Refugiados) é que o governo definiu como cooperação, pela primeira vez, todo o dinheiro destinado a manter o sistema de apoio a refugiados dentro da Noruega, que chega a 10% de tudo, mais do que o destinado à cooperação bilateral com a África. Daí o volume inédito de recursos que ultrapassa 1% do PIB.
Segundo a Flyktninghjelpen, os recursos destinados à iniciativa sobre floresta e clima tampouco deveriam ser computados como cooperação internacional. Para eles, os 2,1 bi de coroas para florestas/clima deveriam sair da conta do Ministério de Meio Ambiente, e os 2,9 bi destinados ao sistema de apoio aos imigrantes/refugiados na Noruega deveriam sair do Ministério do Trabalho e Inclusão.
Por outro lado, houve corte nos valores destinados à cooperação bilateral. O corte total chega a 100 milhões de coroas, dos quais 20 amarga a América Latina. O total destinado a AL é de 220 milhões, dos quais 60 reservados à Guatemala. Sobram 160 milhões de coroas para todos os outros países latinoamericanos. Considerando que o Brasil já está largamente contemplado pela iniciativa clima/floresta, o total da cooperação bilateral deve virar troco de pinga. A Kirkensnødhjelp (AIN) já trabalha internamente com cenários de precariedade de recursos a partir do ano que vem, e planeja uma economia de 11 milhões de coroas em seu orçamento para 2010, dividida em diferentes setores. A Rainforest elogiou o novo governo pelo gordo orçamento para florestas e clima. A Utviklingsfondet critica o governo por não alocar recursos para segurança alimentar e agricultura em países pobres, e por deixar nas mãos do Banco Mundial o recurso para apoiar o aumento da capacidade de resistência e adaptação climática na agricultura. A CARE critica o governo por ter alocado apenas 1% do orçamento em cooperação para questões de gênero; o ForUM – Forum for Utvikling og Miljø (Fórum para Desenvolvimento e Meio Ambiente) critica o governo por não ter alocado grana para questões de acesso a água e saneamento.
O orçamento para meio ambiente dentro da Noruega, embora tenha aumentado 4% em relação ao ano passado, também atraiu críticas das organizações ambientalistas. Natur og Ungdom (Natureza e Juventude) achou que o orçamento para meio ambiente foi tímido, dado o alarde feito pelos partidos da coalizão socialista antes das eleições. O orçamento para ampliação de estradas ainda é três vezes maior do que o destinado às ferrovias, e o total destinado para meio ambiente não chega a um quarto do destinado ao aumento da exploração de petróleo no país. O orçamento para proteção de florestas na Noruega é 18 milhões mais curto.
Norges Naturvernforbundet (Amigos da Terra) e Bellona criticam o arranjo destinado a energia, que chega a 1,8 bi de coroas para as áreas de eficiência energética e energias renováveis, juntas. De acordo com um estudo conjunto feito entre organizações da sociedade e governo, é possível economizar até 12 Tw/h de energia apenas no setor de construção civil até 2020; mas para chegar a isso, seria preciso o governo injetar mais 1,6 bi de coroas/ano apenas em eficiência energética, sem contar energias renováveis.

sábado, 12 de setembro de 2009

Povo indígena Sami: racha dentro do Arbeiderpartiet sobre mineração em terras indígenas favorece FrP no parlamento Sami


Uma disputa entre a ala indígena e não-indígena do Arbeiderpartiet na província de Finnmark (ver mapa abaixo) sobre repartição de benefícios advindos da mineração tem indiretamente favorecido o FrP.



Em junho de 2009 a Noruega aprovou uma nova lei de mineração, que regula entre outras coisas a atividade minerária nas províncias do norte. A lei estabeleceu uma sobretaxa específica para a atividade minerária para a província de Finnmark, parte do território Sami, com base na necessidade de proteção da cultura Sami. No entanto, as regras sobre repartição de benefícios não agradaram os indígenas, que manifestaram seu descontentamento através do Parlamento Sami (Sametinget), que se negou a dar o consentimento para a lei, em novembro de 2008, exercendo as prerrogativas da Convenção OIT 169.
Para entender melhor qual é a pinimba em jogo, é preciso entender um pouco da estrutura legal que apóia as demandas dos Sami. A legislação norueguesa que reconhece os direitos dos Sami tem como origem a histórica resistência dos indígenas contra o projeto da barragem de Alta-Kautokeino, aprovado pelo parlamento em 1978. O projeto inicial previa a inundação de uma aldeia, depois foi reformulado, mas mesmo assim foi alvo de um movimento de resistência e desobediência civil importante. Greves de fome, ocupação dos canteiros de obra e confrontos com a polícia, no entanto, não impediram o governo de construir a barragem, com a bênção jurídica da suprema corte, em 1987.
Embora tenham perdido essa batalha, acabaram vencendo outras: ao longo do movimento de resistência foram criados dois comitês de negociação com o governo norueguês, que resultaram na Lei Sami (1987), que criou as bases para o parlamento Sami1 (Sametinget). Outro resultado concreto foi a aprovação, em 2005, da Lei de Finnmark2 (Finnmarksloven), que transfere a administração de quase toda a província de Finnmark a uma organização público-privada.
Essa Finnmarksloven criou uma figura jurídica curiosa: antes a propriedade da terra na província pertencia ao Estado norueguês, e sua administração era feita por uma empresa estatal de colonização e administração florestal (Statskog SF). Depois da briga sobre a barragem, o governo foi pressionado a ceder a uma maior influência dos Sami sobre a gestão do território de Finnmark.
A Finnmarksloven cedeu a propriedade de quase toda província para a Finnmarkseiendommen (FeFo), uma figura jurídica que se aproxima ao que seria uma Organização Social (OS) no Brasil: pessoa jurídica de direito privado, cuja propriedade é do parlamento Sami e do governo da província (esse modelo, guardadas proporções, era parecido com o que o ISA propunha para os Distritos Sanitários Indígenas, e para o PRDIS no Rio Negro: criação de uma OS responsável pela gestão da política, com agilidade gerencial de empresa privada, mas com controle social público.
A FeFo é a proprietária das terras de Finnmark, e tem por objetivo administrar o uso da terra e os recursos naturais. Essa administração é feita por uma comissão paritária nomeada pelo governo da província e pelo Parlamento Sami, que também tem a responsabilidade de orientar os trabalhos da FeFo, embora a organização seja autônoma. A gestão dos recursos naturais inclui por exemplo o reconhecimento dos direitos de moradores de Finnmark em pescar, caçar, coletar ovos e frutas, cortar madeira para fins pessoais, entre outros usos. Sempre que um parque nacional for criado na província, deve haver ênfase em garantir a continuidade dos usos tradicionais, especialmente ligados à pesca e pastoreio de renas. A lei abre a possibilidade da FeFo ou moradores atingidos pedirem indenização por perdas financeiras em razão da criação de parques nacionais. Enquanto entidade privada, esse direito está adstrito também ao quadro regulatório que se aplica a qualquer propriedade, inclusive a legislação mineral, cujos recursos também são propriedade do Estado e cedidos mediante licença administrativa.
A nova lei de mineração estabelece os seguintes pagamentos: (i) taxa ao Estado, (ii) taxa ao proprietário da área no valor de 0,5 % do faturamento bruto da empresa exploradora, e (iii) sobretaxa na província de Finnmark, administrada pela FeFo, a ser estabecida pelo Executivo.
Os Sami reivindicam duas coisas, basicamente: (i) querem participação na tomada de decisão do empreendimento minerário e nos lucros, através da adoção de uma taxa indígena (urfolksavgift), além de recursos a título de compensação pela ocupação do território; e (ii) que os efeitos da lei se estendam para além da província de Finnmark, onde também há comunidades Sami, embora em menor número.


Oposição aos Sami polariza a sociedade, fortalecendo a extrema direita e o FrP
O Sametinget, assim como o parlamento geral, é composto por parlamentares filiados a partidos políticos. Atualmente, o partido trabalhista conta com a maioria dos assentos no Sametinget. No entanto, na questão específica da mineração, a ala Sami do Arbeiderpartiet (Sami-Ap) entrou em rota de colisão com a ala não indígena do partido ligada à província de Finnmark (Finnmark-Ap). Essa briga interpartidária, de acordo com alguns jornais, vem abrindo espaço para o Fremskrittpartiet, de extrema direita, que até hoje não tem nenhum voto no parlamento Sami, mas que segundo as pesquisas de opinião, pode ganhar um ou até dois assentos nas eleições, que acontecem juntamente com as eleições do parlamento geral (Stortinget).
O Fremskrittpartiet é contrário a qualquer política que estabeleça diferenciação de grupos na sociedade em função de gênero, religião ou origem étnica. A proposta do partido é desmantelar todas as conquistas dos Sami até agora: (i) retirar os subsidios para o pastoreio de renas pelos Sami, (ii) dissolver a FeFo, (iii) dissolver o parlamento Sami, e (iv) retirar a assinatura da Noruega da Convenção OIT 169, alegando que essa convenção é irrelevante como instrumento para regular a relação entre samis e noruegueses no país.
Para conseguirem isso, pretendem obter o máximo de assentos neste parlamento, e uma vez dentro, trabalhar para dissolve-lo.



1http://www.samediggi.no/
2http://finnmarksloven.web4.acos.no/artikkel.aspx?AId=147&MId1=140

A Burguesia vai ficar rica: a um dia da eleição na Noruega, pesquisas mostram maioria burguesa, retrocesso socioambiental e na cooperação internacional


A disputa pelo parlamento norueguês, que se resolverá nas eleições desta 2a feira (14/09/2009) está dividida em dois blocos: os socialistas (Arbeiderpartiet, SV e Sp), atualmente no governo, e os burgueses (Høyre, Venstre, Kristenligfolkpartiet e Fremskrittpartiet). Há um racha entre os burgueses: O Høyre (conservador), Venstre (liberal) e Kristenligfolkpartiet (cristão-democrata) formam uma coalizão; o Fremskrittpartiet, de extrema direita, é o maior partido do bloco, mas não tem a simpatia dos irmãos menores burgueses: Venstre e Kristenligfolkpartiet não aceitam um governo com o FrP; este, sendo o maior, claro, não aceita apoiar um governo do qual não faça parte; o Høyre, segundo maior do bloco, é amigo de todos e topa governar em qualquer coalizão desde que seja burguesa.
As eleições para o Parlamento estão empolgantes: há uma semana, o Høyre (partido Conservador) cresceu a ponto de se tornar o pivô da ala da direita: na coalizão com o Venstre e o Kristenligfolkpartiet, ficam maiores do que o colega extremo, Fremskrittpartiet. No entanto, perdem para o Arbeiderpartiet, base da coalizão socialista e maior partido da Noruega, onde os outros parceiros (SV e Sp) são bem menores.
A última pesquisa publicada na 6a feira, 11 de setembro de 2009, mostra que o parlamento deve se tornar de maioria burguesa:



Burgueses: quem vai quebrar sua promessa?
A questão que se coloca agora é quem deve se tornar primeiro-ministro. Para que os burgueses superem a força dos socialistas e tomem o governo, o Fremskrittpartiet, que não aceita ficar de fora, precisa ou apoiar a coalizão Høyre/Venstre/KrF de fora, porque menor que os três juntos, ou se unir a algum deles. O aliado natural do FrP é o Høyre, cabeça da coalizão e que topa com todos. Se Høyre e FrP se aliam, o Høyre perde a cabeça de chave, e o FrP indicaria o primeiro ministro, mas garante um aliado poderoso à sua plataforma. E como ficam o Venstre e o KrF, que dizem que não topam o FrP? Voltam atrás e entram numa barca burguesa total, ou viram oposição minoritária? A questão aí se tornou quem irá quebrar sua promessa eleitoral; ao que parece, quem tem mais a perder, que no caso seriam Venstre e KrF, os irmãos menores. Nessa hipótese, os dois partidos mais extremos do espectro burguês, embora tenham se afastado durante toda a campanha, podem se aliar já na noite da eleição para garantir o Executivo.
Caso todos os partidos burgueses noruegueses revelem a nobreza de honrar tudo o que dizem, nesse caso cederiam lugar para os soclalistas, o que permitiria a continuidade de um governo do Arbeiderpartiet, agora em posição minoritária no parlamento, e portanto com o ônus - e o bônus - de ter que negociar com todos os partidos do espectro, sendo o maior deles. Para o Ap de Jens Stoltenberg, é bom negócio, já que ocasionais alianças com os burgueses permitiriam ao partido avançar mais em sua própria plataforma do que lidar com os incômodos dos irmãos socialistas menores, SV e Sp (e o Rødt, o PC norueguês, que deve conseguir a maior votação da história, e ganhar até dois assentos).

Fremskrittpartiet e Siv Jensen como primeira-ministra: populismo e detonação ambiental
Do ponto de vista socioambiental e da cooperação internacional, uma aliança Høyre/FrP e um governo de Siv Jensen não seria lá muito bom para a pauta socioambiental e da cooperação internacional.
O Fremskrittpartiet (FrP, Partido Progressista) é considerado o mais radical partido de direita da Noruega, e o partido com maior votação entre os conservadores. Em fins de agosto, o partido lançou sua plataforma para os primeiros 100 dias de governo, e as reações do movimento ambientalista foram imediatas.
O FrP combina medidas populistas com uma política de privatização pesada do Estado norueguês, para fortalecer o setor privado. Consequência disso são as políticas ambientais, que acabam ficando abaixo da crítica.
O FrP pretende transformar a matriz de transportes do país de veículos coletivos para o carro particular, sugerindo: (i) aumentar o limite de velocidade das estradas, (ii) eliminar os “pardais”, (iii) eliminar os pedágios, (iv) construir mais estradas (e menos ferrovias), (v) reduzir os impostos sobre combustíveis (gasolina mais barata). Combina também medidas puramente populistas de incentivo ao consumo, como liberar a venda de bebidas alcoólicas em lojas (hoje apenas cerveja é vendida em loja, o resto somente pode ser vendido por um monopólio do Estado), e permitir que lojas abram aos domingos.
A política de privatização do FrP inclui abrir o capital de basicamente todas as empresas públicas, especialmente a StatoilHydro, a percentuais que variam de 34 a 67%. Críticos a essas medidas alertam que a Noruega pode estar abrindo um flanco para a dominação por outros países, como por exemplo a China, que tem grande interesse em obter uma posição dominante no setor produtivo de alumínio. A proposta de abrir o capital da empresa norueguesa de exploração de carvão em Svalbard, no Ártico, em 67%, pode significar, para alguns, a possibilidade de abrir para empresas russas de exploração, o que poderia ameaçar a própria soberania do país sobre o arquipélago, que durante anos foi objeto de disputa entre russos e noruegueses.
O foco do partido em fortalecer uma matriz energética individualista e dependente do petróleo acarreta em uma política climática suja. Além de estimular maior consumo, o partido pretende abrir os campos de petróleo em Lofoten e Vesterålen, no Norte, para exploração imediata, com vistas a produção já em 2010.
Na arena internacional, o Fremskrittpartiet questiona uma premissa básica já superada nas discussões científicas do IPCC: de que as mudanças climáticas são efetivamente causadas por atividade humana. Na prática, a posição do partido equivale à do governo dos Estados Unidos durante a gestão Bush. A proposta é rever a posição da Noruega já para a próxima reunião das partes em Copenhagen. Até agora, a posição do país, avalizada pela coalizão socialista de Jens Stoltenberg, tem sido a de envidar esforços para alcançar um acordo pós-Kyoto o mais amplo possível, envolver outros países ricos na estratégia de redução de emissões por desmatamento, comprometer-se a investir no desenvolvimento de tecnologias energéticas limpas, e dar maior foco na economia doméstica de emissão de carbono. 

Cooperação internacional: bico seco e foco na África
Na cooperação internacional, a burguesia deve contar dinheiro: devem estabelecer regras mais rígidas diante de indícios de mau uso de recursos pelos países beneficiários, e focar apenas na África, em detrimento de Ásia e América Latina. Há uma crítica dos conservadores ao atual governo em relação a uma suposta “falta de foco” na cooperação internacional, que conduziria a menos resultados do que se a política fosse dirigida apenas à região mais prioritária. Daí de se esperar redução dos investimentos na cooperação em geral, e certamente na política climática, o que pode levar a uma redução na prioridade de apoio ao Fundo Amazônia, ou na tendência já antevista na última reunião com a Ajuda da Igreja da Noruega, de que todos os recursos da cooperação sejam canalizados ao Fundo Amazônia e daí sejam acessados pela sociedade civil, de acordo com a burocracia e regras do fundo e do BNDES, o que dificultaria a relação entre as organizações brasileiras e norueguesas de cooperação.