Desde o último dia 9 de setembro, os quatro partidos que formam o bloco conservador que ganhou as eleições parlamentares na Noruega, liderados pelo conservador Høyre de Erna Solberg, estavam internados em uma rodada de negociação fechada (sondering), para medirem divergências e sondarem a possibilidade de formar um governo com os quatro, incluindo tanto o ultradireita FrP como os de centro KrF (cristão) e Venstre.
Muito se especulou sobre quais as constelações mais prováveis e sobre as chances de os partidos menores de centro (que são os fieis da balança para conseguir a maioria conservadora no parlamento) se arriscarem a entrar numa barca onde o extrema direita FrP, liderado por Siv Jensen e com bancada maior, terá influência demais.
Erna Solberg (Høyre) e Siv Jensen (FrP): essas duas senhoras guiarão a Noruega nos próximos 4 anos, na primeira coalizão direita-ultradireita da história do país.
No começo de outubro, os jornais anunciaram o desfecho das conversas: os partidos de centro KrF e Venstre decidiram ficar fora do governo, mas fecharam um acordo de apoio ao novo governo no parlamento, incluindo pontos de pauta que conseguiram ganhar nas negociatas. A vitória mais importante foi o compromisso do governo de não abrir as regiões de Lofoten, Vesterålen e Sonja para prospecção petrolífera durante o seu mandato, questão especialmente cara ao Venstre, que saiu do processo se declarando vitorioso. O KrF conseguiu negociar a questão das crianças asiladas, mas tudo o mais de política de imigração deve se tornar mais restrito, já que este é um ponto de honra para o ultradireita FrP.
Deep blue
Assim, o novo governo será uma coalizão "azul escura", direita-ultradireita, entre Høyre e FrP. Os dois partidos continuam a rodada de sondagem entre si para avançar na futura plataforma de governo.
Os principais traços do futuro governo devem ser uma maior abertura para o setor privado prestar serviços públicos, alguma pitada populista tipo redução de pedágio ou flexibilização de consumo de álcool (talvez as lojas fiquem um par de horas a mais abertas), e uma restrição no campo das políticas de imigração/integração, que é o ponto caro ao FrP.
Na política econômica, a questão chave é a regra orçamentária (handlingsreglen) que define o quanto se pode usar do Fundo de Petróleo (Oljefondet). Todos os partidos do espectro político concordam que devem respeitar a regra orçamentária, exceto o FrP, que será governo. Nessas rodadas entre Høyre e FrP, esse ponto deve tomar um tempo das duas senhoras. O FrP quer usar mais grana do fundo para investir em infraestrutura, estradas etc. Argumentam que é uma bobagem estar sentado sobre tamanha fortuna (o fundo tem US$ 3.6 trilhões) sem poder usa-la em benefício do país. Ao mesmo tempo, sabem que quebrar essa regra passaria um sinal claro de insegurança para a população e investidores, de que o governo estaria assumindo uma postura irresponsável de uso do fundo, o que poderia causar superaquecimento, inflação etc. Seria uma pisada federal logo no início do jogo. É pouco provável portanto que a regra mude. Mas no jogo de toma-la-da-cá, engolir esse sapo confere ao FrP a chance de lançar algum sapo de volta ao Høyre.
Erna vai suar a camisa no Parlamento
A fofa Erna Solberg certamente perderá uns quilinhos para conseguir "governabilidade" para seu projeto deep blue. É que como os dois partidos juntos não têm maioria no Parlamento, vão depender de conquista-la para aprovar tudo aquilo que não constou da lista negociada com os pequenos de centro. E não é pouco.
O ultradireita FrP sempre declarou que não apoiaria nenhum governo do qual não fosse parte. Isso obrigava o Høyre a engolir a presença incômoda deles para fazer vingar o sonho da virada conservadora. As pesquisas de opinião mostravam que o partido precisava também conquistar o apoio dos dois menores de centro para virar o jogo. Por isso, Erna Solberg sempre fora tão clara em dizer que queria um governo com todos os quatro juntos. Esse projeto foi por terra.
É previsível que o início do novo governo seja suave, e que os partidos de centro apoiem a nova plataforma de governo, garantidos pelo compromisso selado recentemente. À medida que o tempo passa, no entanto, melindres e insatisfações podem criar uma bola de neve que force o governo a renegociar sua coalizão de apoio em nome da governabilidade. A ver.
Lembrando sempre que o maior partido de todos, o partido trabalhista (Arbeiderpartiet - Ap), sai do poder mas passa a estar livre leve e solto na oposição, sem os dois menores SV e Sp na aba (que formam a coalizão verde-vermelha), o que o torna especial objeto de flerte, e cujo apoio pode ser chave para virar o jogo em votações no parlamento.
Cooperação não é prioridade na mesa
A
política de cooperação não é um tema prioritário nessas rodadas de
negociação, por isso pode vir a ser rifada como moeda política em algum
caso de maior importância. O único partido que tinha esse tema como
prioritário era o cristão KrF, que caiu fora do governo.
Os dois
partidos do governo devem restringir a cooperação com América Latina e
focar na África, argumentando que países de renda média não precisam de
dinheiro. A cooperação com o Brasil, no entanto, não deve mudar demais
no início, já que a maior parte dela vem da política de Clima e
Florestas (Fundo Amazônia), algo que o Høyre declarou que irá manter,
apesar das críticas pela falta de resultados do fundo. O acordo entre os países para apoio do Fundo Amazônia
termina em novembro de 2015, depois disso sabe-se lá.
Ademais,
quando empresas norueguesas ganham tanta grana com
exploração de petróleo no Brasil (desde agosto de 2013, quatro fecharam
contratos de fornecimento com a Petrobrás em valor
aproximado de US$ 3,9 bilhões), é de bom tom manter uma política de
cooperação ambiental para envernizar a imagem. Não é tão certo no
entanto o destino de iniciativas como o programa de apoio aos povos
indígenas, através da embaixada norueguesa.