terça-feira, 8 de dezembro de 2015

Noruega se opõe a "direitos humanos" na negociação sobre acordo climático em Paris

Delegação norueguesa pagou outro mico ao ventilar a possibilidade de usar créditos de carbono advindos da redução do desmatamento.

Com a reputação de assumir posições de vanguarda nas negociações climáticas, sobre a delegação norueguesa recaíam as melhores expectativas (daqueles que acreditam em negociações internacionais) para a reunião de Paris. Agora, com o andar da carruagem, parece que não se pode esperar tanto dela quanto sua pomposa retórica climática fazia crer.

Cortou grana e foi para Paris
Logo que chegou, a primeira ministra Erna Solberg já tratou de sair bem na foto, anunciando a continuação do compromisso de clima&florestas até 2020 (no mesmo modelo de cooperação por resultados). No entanto, nem todos viram que ela já saíra de casa com o filme parcialmente chamuscado, em razão dos cortes feitos no orçamento público para 2016. Em 2016, a iniciativa, que apóia o Fundo Amazônia, será US$ 27,5 milhões menor do que em 2015.

Erna feliz em Paris, depois de ter anunciado a continuidade do compromisso de clima&florestas.
Deixou de dizer que cortou grana do programa em casa antes de viajar. 



Barrou "direitos humanos" do texto em negociação
Juntamente com Arábia Saudita e EUA, a Noruega vem se negando a incluir referências a direitos humanos em partes importantes do acordo climático em negociação. Justo a Noruega, que tanto se orgulha de ter apoiado a construção do conceito de REDD+ e de posar de boa samaritana com todo o blablablá sobre o tal + ("plus"), que se refere justamente à necessidade de proteger os direitos humanos dos povos da floresta como pré-condição para qualquer política bem sucedida de redução de desmatamento.

Ministra de Meio Ambiente norueguesa Tine Sundtoft saiu na foto com liderança indígena ano passado; hoje, ela barra a referência a direitos indígenas do texto em negociação.
O rascunho do texto estabelece o compromisso dos países de respeitar direitos humanos e equidade de gênero em suas ações relacionadas a mudanças climáticas. Há dois anos atrás, em uma conferência sobre REDD+ em Oslo, a ministra de meio ambiente Tine Sundtoft dizia de boca cheia: "os direitos e a participação de povos indígenas e outros povos da floresta serão de particular importância para nós".

Agora, ela e seus colegas sauditas e norte-americanos querem remover isso do texto, tanto do preâmbulo como do texto principal, particularmente do Artigo 2, que fala do escopo do acordo. Ganharam merecidamente o prêmio "Fóssil do Dia" pela Climate Action Network pela pisada na bola. A Anistia Internacional assim resumiu a posição norueguesa: "a Noruega diz querer construir pontes na questão de direitos humanos, mas parece querer explodir uma ponte essencial entre proteção ambiental e direitos humanos."

Depois de ser espinafrada por quase todos, a Noruega acabou recuando um pouco, admitindo a menção a direitos humanos em outras partes do texto, mas não como um objetivo. Esmerando o burocratês, o chefe da missão norueguesa em Paris Aslak Brun soltou: "um objetivo deve ser curto e preciso, e precisamos esclarecer o que é o objetivo. Isso não significa que não pensamos em levar em consideração os povos indígenas e trabalhadores, isso pode constar do preâmbulo e dos parágrafos operativos, mas não dos objetivos."

Pagou de maluco querendo compensar carbono de desmatamento
Não bastasse essa, os noruegueses ainda deram outra bola fora ao defender que o carbono evitado pela redução do desmatamento deveria poder ser negociável no mercado de carbono, para fins de compensação. "Se queremos ser climaticamente neutros, a questão das cotas de carbono é importante, e entendemos que a floresta deve ter um tratamento melhor do que no protocolo de Kyoto" disse a primeira ministra norueguesa.

Em 2012, o parlamento norueguês aprovou um compromisso climático nacional com a meta de reduzir 30% o nível de emissões de 1990 até 2020, ou seja, daqui a cinco anos. O compromisso nacional permite que o país reduza 1/3 de suas emissões no exterior. No fundo, embora isso nunca tivesse sido explicitamente dito, o governo norueguês esperava que os créditos de carbono advindos da redução do desmatamento na Amazônia pudessem servir a esse propósito. E é agora, na hora de negociar o texto de um acordo, que é preciso garantir essa possibilidade.

Mas já ficou claro que não vai ser tão fácil assim. O Brasil rejeitou imediatamente a ideia: "nossa posição é clara. A proteção da floresta através de REDD+ é um apoio financeiro baseado em resultados para o desenvolvimento e proteção da floresta. Não tem nada a ver com cotas de carbono. Não há absolutamente nada a considerar sobre isso, está claro", disse Everton Lucero, da delegação brasileira, ao jornal Dagsavisen. Sem o apoio do Brasil, a proposta de incluir cotas de floresta no mercado de carbono deve ir por água abaixo, assim como a ambição da Noruega de cumprir com sua meta nacional.

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