A discussão sobre as alianças partidárias na Noruega depois das recentes eleições comunais está em alta. De modo geral, partidos situados no extremo do espectro político perderam força, enquanto os pequenos partidos de centro se tornaram quase que "fiéis da balança" para decidir se o próximo governo em 2013 será vermelho/verde (coalizão socialista de esquerda, atualmente no poder), ou azul (coalizão conservadora de direita).
O governo hoje é mantido por uma coalizão de três partidos, dos quais o Arbeiderpartiet (Ap), do primeiro-ministro Jens Stoltenberg, é de longe o maior. Participam da coalizão também o Senterpartiet (Sp), de centro, ligado a interesses de agricultores, e o Sosialistisk Venstrepartiet (SV), partido socialista mais à esquerda do espectro partidário, ao qual o ministro de meio ambiente Erik Solheim é filiado.
A coalizão vermelho/verde (rødgrønne) está no poder desde 2005, mas vem perdendo força para os partidos de direita, especialmente o Høyre, a contraface do Ap do lado azul do espectro partidário, que vem conseguindo puxar votos tanto de eleitores de partidos de centro como o cristão KrF, como da extrema direita, como o populista Fremskrittpartiet FrP. Uma recente pesquisa pós-eleições mostra que se as eleições para o Parlamento (Stortinget) fossem hoje, os partidos socialistas já teriam menos cadeiras do que os conservadores. Ou seja, a virada conservadora já aparece nas pesquisas de intenção de votos desde já.
Pesquisas de intenção de voto recentes apontam virada conservadora, com 90 assentos contra apenas 79 dos socialistas, atualmente no poder. Fonte: Dagsavisen
A crise dentro da coalizão rødgrønne foi deflagrada por conta do desempenho do SV de Solheim nas últimas eleições de setembro, que está com um pé pra fora do parlamento, com pouco mais de 4% dos votos, piso mínimo para indicar cadeiras. Com forte bandeira social e ambientalista, eleitores do SV se vêem frustrados com o fato do partido não conseguir influenciar o governo da forma como desejavam. À sombra do irmão maior Ap, vêem enfraquecidas suas propostas políticas e se vêem desprestigiados, embora ainda estejam no governo.
Clima não está para peixe...
Nesse banzo partidário, a política climática pode vir a ter um papel importante na dança de interesses entre partidos da coalizão governista e também de fora. A Noruega estabeleceu uma política climática de vanguarda em junho de 2007 (Stortingsmelding 34 - Norsk Klimapolitikk), em que estabelece a meta de se tornar neutra em emissões de carbono até 2050, e reduzir suas emissões em 30% comparado aos níveis de 1990 até 2020.
Em janeiro de 2008, após negociações entre os partidos de governo e de oposição, foi publicado um acordo sobre a política climática (Klimaforliket), que abrangeu todos os partidos de esquerda e direita, com exceção do FrP, de extrema direita. O Klimaforliket passou então a ser o compromisso de governo, acordado com a oposição, sobre o qual a Noruega viria atuar na questão climática, nacional e internacionalmente. Reconhecendo que a tarefa seria grande demais, o acordo partidário baixou a bola de 30% para 20% de redução até 2020, com a condição de que 2/3 dessas reduções aconteçam dentro de casa. A política de clima e florestas que resultou no Fundo Amazônia é parte importante deste acordo.
No mesmo ano de 2008, o Ministério de Meio Ambiente criou uma comissão dentro do órgão ambiental de controle de clima e poluição norueguês (Klima- og Forurensingsdirektoratet - Klif) com o objetivo de discutir e propor iniciativas, medidas e recursos para atingir esta meta de 20% até 2020. Esta comissão, chamada de Klimakur (ou "cura do clima") incluiu diferentes órgãos públicos dos setores de transporte, energia, petróleo, estatísticas, além de representação dos setores bancário, de construção civil, navegação entre outros. O resultado foi um calhamaço de mais de 300 páginas com ideias e propostas de como fazer a lição de casa.
A esta altura, e com tamanho caminho andado, o governo já adiantava que iria lançar uma nova política climática ainda em 2010, que finalmente daria a direção de como botar em prática tudo isso. 2010 passou e necas... Em agosto de 2011, o ministro Solheim anunciou que a nova política climática será publicada apenas no início de 2012. De acordo com o próprio ministro, o cabo de guerra entre os ministérios é o motivo do atraso. "Todos estão de acordo com a meta de redução de 20%, mas ao mesmo tempo cada departamento busca assumir a menor parcela possível de reduções dentro de seu respectivo setor", declarou Solheim.
O atraso da nova política climática é mais uma circunstância entre outras que fazem aumentar o coro dos insatisfeitos no SV, partido de Solheim, além das ONGs ambientalistas. A política climática fora de casa tampouco vem agradando, já que há uma impressão geral de que os recursos investidos no Brasil via Fundo Amazônia estão parados, não há resultados concretos - pelo contrário, o desmatamento vem aumentando, e há riscos estruturais de retrocesso com a discussão do novo Código Florestal. Solheim esteve recentemente na Indonésia para negociar um acordo de clima&florestas por lá, mas apesar da boa vontade manifestada pelo governo local, há um ar de ceticismo diante da incapacidade de implementar políticas eficazes frente ao avanço do setor privado sobre as florestas.
Solheim esteve recentemente na Indonesia para negociar uma política de clima&florestas semelhante ao Brasil, mas cercado de ceticismo em casa. Fonte: http://www.norway.or.id/Norway_in_Indonesia/Environment/Norwegian-Minister-for-the-Environment-and-International-Development-Mr-Erik-Solheim-visited-Indonesia-26--28-September/
Some-se a isso o fato de as emissões norueguesas terem aumentado (ver post aqui no Cabeça) recentemente, o que aponta para a dificuldade em alcançar a meta de 2020, logo ali na esquina.
Voltando à questão partidária: o lançamento da nova política climática em início de 2012 é cercada de grande expectativa pelos ambientalistas, e especialmente pelo SV de Solheim. Dependendo do que vier, o partido não terá outra alternativa a não ser jogar a toalha e pedir para sair do governo, afinal há limites para o partido continuar criticando o governo enquanto continua sentado na cadeira. Por outro lado, Ap, SV e Sp assumiram, em 2005, um compromisso de fidelidade partidária para fundar a coalizão rødgrønne que parece difícil de ser quebrado, por mais que hoje haja divergências em relação ao caminho percorrido desde então. Nenhum dos líderes admite essa possibilidade, já que isso seria um sinal não apenas de infidelidade em face dos outros partidos da coalizão, mas também - e mais importante - em face de seus próprios eleitores. Se o SV, que prometeu a seus eleitores em 2009 continuar mais um mandato junto com a coalizão rødgrønne, vier a cair fora, isso pode ser visto também uma quebra de promessa imperdoável pelos seus eleitores.
A coisa está feia para o SV, de todos os lados. Se fica, perde; se sai, também perde. Para o Ap, é preciso administrar a barca pensando em 2013, segurando a coalizão (e evitando ser o culpado por uma eventual saída do SV), enquanto negocia o apoio do partido de centro KrF, que já insinuou possível virada de jogo (hoje o KrF faz parte da bancada conservadora). O pequeno partido cristão pode ser um fiel da balança se pender para o lado socialista, mas já adiantou que não fará parte de uma coalizão da qual o SV também faça parte. Ou seja, se o SV sai, apesar de todo o barulho e prejuízo político para o projeto da coalizão rødgrønne, abre-se indiretamente uma porta para que o KrF entre no futuro, e quem sabe ajude a salvar a barca socialista em 2013.
Nesse vai-e-vem de especulações em torno das alianças partidárias, a política climática vira quase um mico na mão do governo: se for boa, segura o SV, mas pode afastar a possibilidade de o KrF vir a integrar a coalizão, deixando escapar as eleições em 2013; se for ruim, pode espantar o SV, aprofundar a crise e quebrar o governo, mas pode também salvar as eleições em 2013 se o KrF vier a integrar uma coalizão com Ap e Sp. Seja como for, mantemos vocês informados!
Fontes:
http://e24.no/makro-og-politikk/hoeyre-fortsetter-framgangen/20105586
http://www.adressa.no/vaeret/klima/article1681696.ece
http://www.klimakur2020.no/
Dagsavisen, Tro Inntil Dovre Faller, 01/10/2011, p.4
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